Construção de barcos requer superação psicológica

Fairhaven Flyer em construção, Devlin design. 
A construção amadora de embarcações é uma atividade romântica, nobre e estimulante. Romântica porque no processo construtivo, enquanto lixamos e colamos madeira, imaginamos as aventuras inesquecíveis que faremos com nossos familiares e amigos. Nobre porque é um trabalho, uma cultura, demanda estudo, dedicação, esforço, organização e investimento. Estimulante porque com o barco podemos ir a muitos lugares, podemos proporcionar momentos agradáveis, fazer transportes, explorações, prestar serviços, aprender e enriquecer, se não financeiramente, espiritualmente.

Entretanto tirar o sonho da gaveta exige mais do que vontade.  
Assim como um artista pinta quadros e faz exposições sem pedir licença, só depende do construtor fazer sua obra acontecer. Construção de barcos é sem dúvida uma "arte aplicada" e exige realização. Não existe dentista sem consultório, não existe artista sem atelier, e não existe construtor sem oficina. Ninguém vai implorar para que você construa um barco, assim como ninguém implora para que um escultor faça uma escultura. Cada um faz o que tem que fazer e apresenta seu trabalho para a sociedade. Eventualmente os advogados, médicos, administradores e engenheiros podem ser implorados para que resolvam algo que alguém traga, mas nas indústrias criativas é a pessoa criativa que se projeta para o público, é o criativo que propõe uma ação ou objeto para o bem comum. Mas qual a relevância do trabalho criativo? Sem ele você não usaria uma bela roupa desenhada por um estilista, não poderia ter móveis bonitos desenhados por um bom marceneiro, nem seu telefone seria tão poderoso sem a vontade de desenvolver pesquisas tecnológicas e seu relógio não seria tão vistoso sem um designer. Sem um trabalho criativo não haveriam as micro cervejarias nem os restaurantes diferentes de onde procuramos fugir do prato feito de todos os dias. Sem criatividade não haveriam invenções nenhumas.

Obra de Ricardo Ramalho com frase bíblica, 2002
Aí é que mora a principal dificuldade na construção de barcos: a barreira psicológica, que dificulta a quebra da rotina. Esqueça a dúvida sobre qual projeto comprar, esqueça a suposta falta de dinheiro e tempo, o que pode travar mesmo a realização é a superação emocional, o permitir-se. No dia a dia, enquanto suamos no ganha pão, pagamos contas e damos atenção à família e amigos pode sobrar pouco tempo para um hobby ou uma realização pessoal. Urgente é reparar uma torneira pingando, enviar um orçamento, pregar um botão na camisa. Nunca haverá urgência na construção de barcos, a menos que o construtor perceba que é urgente. Da mesma forma somente os artistas que percebem a urgência e seriedade de sua produção é que se tornam reconhecidos e prósperos. Dedicar uma parte do seu tempo para um projeto pessoal não é para qualquer um. Os artistas, músicos, arquitetos e escritores podem estar mais preparados para essa disciplina, e mesmo para eles é difícil. Mais complicado ainda é para trabalhadores de grandes corporações, acostumados a serem levados pelo entorno de equipes numerosas, pelos compromissos que aparecem nos e-mails, instruções e telefonemas. É preciso ter o espírito empreendedor para construir um barco, como os profissionais autônomos que fazem nome e se projetam com suas iniciativas pessoais.

Busque os meios para fazer seus projetos acontecerem, organize uma rotina pelo menos uma vez por semana para este efeito, busque o sentido da vida para além das contas pagas, brilhe na vida pessoal, e quem sabe assim poderá ir além do essencial, poderá arcar com contas do barco e outros interessantes investimentos que você merece desfrutar.

Sucesso, boas obras, Ricardo Ramalho


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